terça-feira, 27 de abril de 2010

...vai entender


Nós, demasiadamente humanos, vivemos e observamos o universo. Há quem, no entanto, é vivida e observada por ele.

Antítese rara. Um hiato perdido na história das cidades e sociedades que se esvai pela compreensão de que o meio faz o homem. Ou melhor, de que somos incapazes de sobreviver, de escolher, de mudar, de transmutar e de descolar da grande massa cinzenta que existe entre o preto e o branco.

Certezas e rechaços; ímpetos e retrações. Todo um mundo calculado nos 10 dedos das mãos, que se contraem quando do frio nova-iorquino. Então tudo é recalculado, reavaliado. E o universo acompanha atento por lhe escapar organicidade e arquétipos dele mesmo.

Comunica-se com a sociedade de forma viva, orgânica e randômica.

Seu eco interno é exatamente o que ao universo escapa e a sociedade desconhece, engessada ao coletivo e incapaz de singularizar e pormenorizar o que pessoas especiais são e fazem.

Ela, portanto, é o universo concebido às custas da cegueira coletiva da vida em sociedade.

A historiografia das sociedades sequer teria acesso a uma unha preta do dedão do pé. A massa cinzenta não enxerga o preto (insumo de todas as cores pigmentadas), tampouco o branco (todas as luzes combinadas). Não sabe o gosto do aspartame.

O coletivo que não se rende a Mauá se organiza em sociedade na divisa do Rio de Janeiro com Minas Gerais.

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O palco é pequeno e o teatro em formato de arena. Silêncio sepulcral, fúnebre.

De um lado da platéia, o universo e sua claque. Do outro, a sociedade e sua corja. Não há um assento vazio sequer.

Pés descalços, vestido curto, pele clara, flor nos cabelos, cenho sereno: Ela entrou. Centrada, ela dirige seu olhar ao universo. Sorri. Com leveza dá uma volta e observa a sociedade. Sorri também.

Rompe a tensão inicial, eleva a alma. Durante 1 hora ininterrupta arrancou choros, soluços e gargalhadas.

Ao final, cativados pela sinergia, pelo carisma e envoltos numa mesma emoção, a sociedade e o universo estão sentados um ao lado do outro. Pernas coladas, dedos entrelaçados. Assim mesmo se levantam e deixam a arena.

Na porta única de saída uma brisa leve lhes toca o rosto. Como num instante se observam, distanciando-se imediatamente e irrompendo para o tradicional: cada um para o seu lado.

Quando estão a centenas de metros de distância voltam a se olhar, quase perdendo um ao outro de vista. Respiram profundamente e projetam seus pensamentos, numa sincronicidade de almas: “Julia... vai entender”.

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